domingo, 27 de junho de 2010

Conflitos: Parte III


A criança freudiana.

Não se pode defini-la a partir de uma maturação biológica ou de critérios de afetividade. Tudo o que Freud pôde dizer dela não é o produto da observação, o que já é um paradoxo em relação aos critérios puramente psicológicos. É a partir dos sonhos do adulto ou de suas lembranças, em todo caso de sua palavra, que Freud nos transmitiu o que constitui a sexualidade infantil. E para a psicanálise é um problema balizar especificamente seu campo em relação à psicologia da criança, em particular àquela que se funda numa perspectiva desenvolvimentalista, como a corrente piagetiana. Os especialistas, na história da psicanálise da criança, não puderam evitar apreender o sujeito a partir dos estágios e, portanto, hipocritizar o complexo de Édipo, evocando períodos que se situam antes ou depois. Melanie Klein fez retrocederem os limites com o que ela chama de supereu precoce: já não é mais entre os três e cinco anos, mas aos seis meses e, por que não, durante o próprio período da gravidez.

Na outra vertente, a partir de 1931, Freud se dá conta de que a menina não sai jamais do complexo de Édipo, que existe algo como um limite assintótico que torna problemático o fim do Édipo na menina e indefinida a relação da mulher com a castração. Considera que o complexo de Édipo na menina é antes defensivo, meio que ela acha de escapar da colagem com a mãe. Ele pode, então, durar um certo tempo. Daí o esforço de Lacan, levando em conta a necessidade de arrancar a criança e o adolescente de uma abordagem evolucionista ou de estágios, par introduzir critérios unicamente estruturais e desprender-se do que, em A ciência e a verdade, ele chama a ilusão arcaica.

É preciso tomar cuidado para não cair nessa ilusão do arcaico e do desenvolvimento, e fazer valer de fato os critérios estruturais. Sem dúvida, o próprio Freud fez esse esforço ao descrever a criança a partir de seu gozo, ou tomando como critério do infantil não um estágio, mas um modo de gozo conhecido pela célebre denominação de perverso polimorfo. Mas ele se dá conta que isso também pode durar um longo tempo.


O adolescente freudiano.

A noção de inscrição, quer dizer, o momento da passagem, não de um estado a outro, da infância ao adulto, mas sim de um pensamento a um ato. Podemos muito bem repertoriar os sintomas, os comportamentos que são possíveis diante da impossibilidade dessa inscrição. Penso no autismo; no suicídio dos adolescentes; na toxicomania como solução; nos rituais de alguns adultos que realizam, por intermédio de algumas atividades, geralmente infantis, sonhos de infância jamais realizados; nos jogadores; nos atos de delinquência juvenil, cuja intenção é encontrar uma inscrição no Outro. Em geral, eles são interpretados como comportamentos de transgressão ou como determinados por um sentimento de culpa inconsciente, embora não seja essa talvez a razão que os determine.

As formas do Outro para cada sujeito é o que permite ou torna possível a passagem do ‘pressentimento’ á definição. Existem muitos exemplos da constituição desse Outro. Essa constatação nos permite diferenciar duas coisas: a primeira é que, em termos absolutos, sabemos bem o que é o Outro, mas ele tem um NOME muito precioso para cada sujeito. Reside aí a diferença entre os sujeitos. A segunda provém dos fatos clínicos: o ‘eu não sei‘ dos adolescentes pode encontrar sua razão na impossibilidade de nomear esse Outro, daí a possível instabilidade de alguns adolescentes.

A crise da adolescência pode ser definida como uma crise do pai. Por outro lado, a própria etimologia da palavra crise nos ajuda, na medida em que crise significa, ao mesmo tempo, ‘fase decisiva’ e ‘decisão’.

Há, portanto, uma crise do pai e é essa crise que faz nascer a nova geração. Mas há também uma decisão do rapaz para fazer dessa crise uma condição do sujeito. É, então, necessário saber se a crise pode ser assimilável á recusa. Creio que há interesse em diferenciá-las, mantê-las separadas. A recusa do adolescente pode ser interpretada, num segundo momento, como um produto da crise, mas pode, igualmente, ocultar uma tentativa de fazer-se um pai, por este não ter funcionado inteiramente. Essa diferenciação permitirá estudar não apenas a crise da adolescência, mas também as consequências de uma certa degradação da função do pai na sociedade moderna. Podemos escrever os sintomas dessa degradação. Se fizermos nossa fórmula de Lacan que indica que o social pode tomar a função do pai, poderemos ter uma segunda visão de toda uma série de fenômenos próprios da adolescência de hoje, para a qual o social é apenas um substituto do pai.

A adolescência não é um conceito proposto pela teoria da Psicanálise. Na verdade é um termo bastante novo, data do século XIX, e foi estabelecido por toda uma perspectiva histórica da educação, da sociologia e da psicologia, na qual não vamos nos deter aqui. Freud, ainda que dessa época, utilizou o termo puberdade, no qual salienta as transformações do corpo que deixa de ser biologicamente infantil. No entanto, se o corpo que deixa de ser biologicamente infantil, Freud postula que o mesmo não ocorre com o sujeito do desejo. O sujeito do desejo se constitui frente ao impasse da castração que tem no complexo de Édipo seu momento decisivo. Desta forma, o sujeito na puberdade terá que se haver novamente com suas questões cruciais para fazer às modificações da demanda pulsional. O infantil é tempo de postergação, sonho e espera. A puberdade provoca um invariável na determinação de cada sujeito. O adolescente, portanto, não pode mais esperar, é preciso concluir. O tempo lógico do momento de concluir exige o ato. Distinguindo-se da mera ação, o ato é um dizer que localiza o sujeito do desejo em relação á cadeia significante e à lei da função paterna.

O complexo de Édipo é um conceito fundamental para a psicanálise, entendido por esta como sendo universal e, portanto, característico de todos os seres humanos. O complexo de Édipo caracteriza-se por sentimentos contraditórios de amor e hostilidade. Metaforicamente, este conceito é visto como amor à mãe e ódio ao pai, mas esta idéia permanece, apenas, porque o mundo infantil resume-se a estas figuras parentais ou aos representantes delas. Uma vez que o ser humano não pode ser concebido sem um pai ou uma mãe (ainda que nunca venha a conhecer uma destas partes ou as duas), a relação que existe nesta tríade é, segundo a psicanálise, a essência do conflito do ser humano.

A idéia central do conceito de complexo de Édipo inicia-se na ilusão de que o bebê tem de possuir proteção e amor total, reforçado pelos cuidados intensivos que o recém nascido recebe por sua condição frágil. Esta proteção é relacionada, de maneira mais significativa, à figura materna. Em torno dos três anos, a criança começa a entrar em contato com algumas situações em que sofre interdições, facilmente exemplificadas pelas proibições que começam a acontecer nesta idade. A criança não pode mais fazer certas coisas porque já está maior, não pode mais passar a noite inteira na cama dos pais, andar pelado pela casa ou na praia, é incentivada a sentar de forma correta e controlar o esfíncter, além de outras cobranças. Neste momento, a criança começa a perceber que não é o centro do mundo e precisa renunciar ao mundo organizado em que se encontra e também à sua ilusão de proteção e amor total.

O complexo de Édipo é muito importante porque caracteriza a diferenciação do sujeito em relação aos pais. A criança começa a perceber que os pais pertencem a uma realidade cultural e que não podem se dedicar somente a ela porque possuem outros compromissos. A figura do pai representa a inserção da criança na cultura, é a ordem cultural. A criança também começa a perceber que o pai pertence à mãe e por isso dirige sentimentos hostis a ele.

Estes sentimentos são contraditórios porque a criança também ama esta figura que hostiliza. A diferenciação do sujeito é permeada pela identificação da criança com um dos pais. Na identificação positiva, o menino identifica-se com o pai e a menina com a mãe. O menino tem o desejo de ser forte como o pai e ao mesmo tempo tem “ódio” pelo ciúme da mãe. A menina é hostil à mãe porque ela possui o pai e ao mesmo tempo quer se parecer com ela para competir e tem medo de perder o amor da mãe, que foi sempre tão acolhedora.

Na identificação negativa, o medo de perder aquele a quem hostilizamos faz com que a identificação aconteça com a figura de sexo oposto e isto pode gerar comportamentos homossexuais. Nesta fase, a repressão ao ódio e à vontade de permanecer em “berço esplêndido” é muito forte e o sujeito desenvolve mecanismos mais racionais para sua inserção cultural.

Com o aparecimento do complexo de Édipo, a criança sai do reinado dos impulsos e dos instintos e passa para um plano mais racional. A pessoa que não consegue fazer a passagem da ilusão de super proteção para a cultura se psicotiza.

O complexo de Édipo é uma referência à ameaça de castração ocasionada pela destruição da organização genital fálica da criança, radicada na psicodinâmica libidinal, que tem como plano de fundo as experiências libidinais que se iniciam na retirada do seio materno. Importante notar que a libido é uma energia sexual, mas não se constitui apenas na prática sexual, mas também nos investimentos que o indivíduo faz para obtenção do prazer. Ao fazer do temor de castração uma característica masculina e da inveja do pênis uma característica feminina, Freud centrou-se exclusivamente na diferença de sexos e esqueceu a diferença de gerações. Meninos podem ter inveja do pênis (do pai); meninas, temor, não da castração mas da violentação (pelo pai).


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