domingo, 27 de junho de 2010

Conflitos: Parte III


A criança freudiana.

Não se pode defini-la a partir de uma maturação biológica ou de critérios de afetividade. Tudo o que Freud pôde dizer dela não é o produto da observação, o que já é um paradoxo em relação aos critérios puramente psicológicos. É a partir dos sonhos do adulto ou de suas lembranças, em todo caso de sua palavra, que Freud nos transmitiu o que constitui a sexualidade infantil. E para a psicanálise é um problema balizar especificamente seu campo em relação à psicologia da criança, em particular àquela que se funda numa perspectiva desenvolvimentalista, como a corrente piagetiana. Os especialistas, na história da psicanálise da criança, não puderam evitar apreender o sujeito a partir dos estágios e, portanto, hipocritizar o complexo de Édipo, evocando períodos que se situam antes ou depois. Melanie Klein fez retrocederem os limites com o que ela chama de supereu precoce: já não é mais entre os três e cinco anos, mas aos seis meses e, por que não, durante o próprio período da gravidez.

Na outra vertente, a partir de 1931, Freud se dá conta de que a menina não sai jamais do complexo de Édipo, que existe algo como um limite assintótico que torna problemático o fim do Édipo na menina e indefinida a relação da mulher com a castração. Considera que o complexo de Édipo na menina é antes defensivo, meio que ela acha de escapar da colagem com a mãe. Ele pode, então, durar um certo tempo. Daí o esforço de Lacan, levando em conta a necessidade de arrancar a criança e o adolescente de uma abordagem evolucionista ou de estágios, par introduzir critérios unicamente estruturais e desprender-se do que, em A ciência e a verdade, ele chama a ilusão arcaica.

É preciso tomar cuidado para não cair nessa ilusão do arcaico e do desenvolvimento, e fazer valer de fato os critérios estruturais. Sem dúvida, o próprio Freud fez esse esforço ao descrever a criança a partir de seu gozo, ou tomando como critério do infantil não um estágio, mas um modo de gozo conhecido pela célebre denominação de perverso polimorfo. Mas ele se dá conta que isso também pode durar um longo tempo.


O adolescente freudiano.

A noção de inscrição, quer dizer, o momento da passagem, não de um estado a outro, da infância ao adulto, mas sim de um pensamento a um ato. Podemos muito bem repertoriar os sintomas, os comportamentos que são possíveis diante da impossibilidade dessa inscrição. Penso no autismo; no suicídio dos adolescentes; na toxicomania como solução; nos rituais de alguns adultos que realizam, por intermédio de algumas atividades, geralmente infantis, sonhos de infância jamais realizados; nos jogadores; nos atos de delinquência juvenil, cuja intenção é encontrar uma inscrição no Outro. Em geral, eles são interpretados como comportamentos de transgressão ou como determinados por um sentimento de culpa inconsciente, embora não seja essa talvez a razão que os determine.

As formas do Outro para cada sujeito é o que permite ou torna possível a passagem do ‘pressentimento’ á definição. Existem muitos exemplos da constituição desse Outro. Essa constatação nos permite diferenciar duas coisas: a primeira é que, em termos absolutos, sabemos bem o que é o Outro, mas ele tem um NOME muito precioso para cada sujeito. Reside aí a diferença entre os sujeitos. A segunda provém dos fatos clínicos: o ‘eu não sei‘ dos adolescentes pode encontrar sua razão na impossibilidade de nomear esse Outro, daí a possível instabilidade de alguns adolescentes.

A crise da adolescência pode ser definida como uma crise do pai. Por outro lado, a própria etimologia da palavra crise nos ajuda, na medida em que crise significa, ao mesmo tempo, ‘fase decisiva’ e ‘decisão’.

Há, portanto, uma crise do pai e é essa crise que faz nascer a nova geração. Mas há também uma decisão do rapaz para fazer dessa crise uma condição do sujeito. É, então, necessário saber se a crise pode ser assimilável á recusa. Creio que há interesse em diferenciá-las, mantê-las separadas. A recusa do adolescente pode ser interpretada, num segundo momento, como um produto da crise, mas pode, igualmente, ocultar uma tentativa de fazer-se um pai, por este não ter funcionado inteiramente. Essa diferenciação permitirá estudar não apenas a crise da adolescência, mas também as consequências de uma certa degradação da função do pai na sociedade moderna. Podemos escrever os sintomas dessa degradação. Se fizermos nossa fórmula de Lacan que indica que o social pode tomar a função do pai, poderemos ter uma segunda visão de toda uma série de fenômenos próprios da adolescência de hoje, para a qual o social é apenas um substituto do pai.

A adolescência não é um conceito proposto pela teoria da Psicanálise. Na verdade é um termo bastante novo, data do século XIX, e foi estabelecido por toda uma perspectiva histórica da educação, da sociologia e da psicologia, na qual não vamos nos deter aqui. Freud, ainda que dessa época, utilizou o termo puberdade, no qual salienta as transformações do corpo que deixa de ser biologicamente infantil. No entanto, se o corpo que deixa de ser biologicamente infantil, Freud postula que o mesmo não ocorre com o sujeito do desejo. O sujeito do desejo se constitui frente ao impasse da castração que tem no complexo de Édipo seu momento decisivo. Desta forma, o sujeito na puberdade terá que se haver novamente com suas questões cruciais para fazer às modificações da demanda pulsional. O infantil é tempo de postergação, sonho e espera. A puberdade provoca um invariável na determinação de cada sujeito. O adolescente, portanto, não pode mais esperar, é preciso concluir. O tempo lógico do momento de concluir exige o ato. Distinguindo-se da mera ação, o ato é um dizer que localiza o sujeito do desejo em relação á cadeia significante e à lei da função paterna.

O complexo de Édipo é um conceito fundamental para a psicanálise, entendido por esta como sendo universal e, portanto, característico de todos os seres humanos. O complexo de Édipo caracteriza-se por sentimentos contraditórios de amor e hostilidade. Metaforicamente, este conceito é visto como amor à mãe e ódio ao pai, mas esta idéia permanece, apenas, porque o mundo infantil resume-se a estas figuras parentais ou aos representantes delas. Uma vez que o ser humano não pode ser concebido sem um pai ou uma mãe (ainda que nunca venha a conhecer uma destas partes ou as duas), a relação que existe nesta tríade é, segundo a psicanálise, a essência do conflito do ser humano.

A idéia central do conceito de complexo de Édipo inicia-se na ilusão de que o bebê tem de possuir proteção e amor total, reforçado pelos cuidados intensivos que o recém nascido recebe por sua condição frágil. Esta proteção é relacionada, de maneira mais significativa, à figura materna. Em torno dos três anos, a criança começa a entrar em contato com algumas situações em que sofre interdições, facilmente exemplificadas pelas proibições que começam a acontecer nesta idade. A criança não pode mais fazer certas coisas porque já está maior, não pode mais passar a noite inteira na cama dos pais, andar pelado pela casa ou na praia, é incentivada a sentar de forma correta e controlar o esfíncter, além de outras cobranças. Neste momento, a criança começa a perceber que não é o centro do mundo e precisa renunciar ao mundo organizado em que se encontra e também à sua ilusão de proteção e amor total.

O complexo de Édipo é muito importante porque caracteriza a diferenciação do sujeito em relação aos pais. A criança começa a perceber que os pais pertencem a uma realidade cultural e que não podem se dedicar somente a ela porque possuem outros compromissos. A figura do pai representa a inserção da criança na cultura, é a ordem cultural. A criança também começa a perceber que o pai pertence à mãe e por isso dirige sentimentos hostis a ele.

Estes sentimentos são contraditórios porque a criança também ama esta figura que hostiliza. A diferenciação do sujeito é permeada pela identificação da criança com um dos pais. Na identificação positiva, o menino identifica-se com o pai e a menina com a mãe. O menino tem o desejo de ser forte como o pai e ao mesmo tempo tem “ódio” pelo ciúme da mãe. A menina é hostil à mãe porque ela possui o pai e ao mesmo tempo quer se parecer com ela para competir e tem medo de perder o amor da mãe, que foi sempre tão acolhedora.

Na identificação negativa, o medo de perder aquele a quem hostilizamos faz com que a identificação aconteça com a figura de sexo oposto e isto pode gerar comportamentos homossexuais. Nesta fase, a repressão ao ódio e à vontade de permanecer em “berço esplêndido” é muito forte e o sujeito desenvolve mecanismos mais racionais para sua inserção cultural.

Com o aparecimento do complexo de Édipo, a criança sai do reinado dos impulsos e dos instintos e passa para um plano mais racional. A pessoa que não consegue fazer a passagem da ilusão de super proteção para a cultura se psicotiza.

O complexo de Édipo é uma referência à ameaça de castração ocasionada pela destruição da organização genital fálica da criança, radicada na psicodinâmica libidinal, que tem como plano de fundo as experiências libidinais que se iniciam na retirada do seio materno. Importante notar que a libido é uma energia sexual, mas não se constitui apenas na prática sexual, mas também nos investimentos que o indivíduo faz para obtenção do prazer. Ao fazer do temor de castração uma característica masculina e da inveja do pênis uma característica feminina, Freud centrou-se exclusivamente na diferença de sexos e esqueceu a diferença de gerações. Meninos podem ter inveja do pênis (do pai); meninas, temor, não da castração mas da violentação (pelo pai).


quarta-feira, 23 de junho de 2010

CONFLITOS - PARTE II


Capítulo I: Crise na adolescência.













Compreendendo a adolescência num ponto de vista psicanalítico, Freud discutiu, nos “Três ensaios sobre a teoria da sexualidade” (1989a), mais precisamente em seu terceiro ensaio - “As transformações da puberdade”, a respeito da puberdade e deu a este termo, ao lado de suas outras concepções, uma significação psíquica. A necessidade de retomar a palavra de Freud sobre este assunto é oportuna na medida em que a psicanálise tem sido, reiteradamente, vitimada por toda uma sorte de desvios, os quais se devem tanto a um ecletismo cego, quanto a um desconhecimento e uma normalização da radicalidade da letra freudiana (JORGE, 1988).

Inicialmente, não o conceito de adolescência não existia, trata-se de uma invenção discursiva datada de meados do século XVIII e consolidada em seu emprego no século XIX. É uma forma de nomeação que tem origem no discurso pedagógico, tributário de uma ortopedia moral e vinculada a práticas de vigilância e da ordenação entre idade e nível escolar requeridos (ARIÈS, 1981; FOUCAULT, 2000).

Não é estranho ver a puberdade, sob olhar freudiano, na medida em que os psicanalistas responsáveis por tais formulações acabaram por fazer equivaler a adolescência a um período de crise na vida do indivíduo, desconsiderando, desta forma, a noção de sujeito do inconsciente e privilegiando um trabalho terapêutico que teria por finalidade apaziguar a crise por intermédio do fortalecimento do Eu do adolescente. Assim sendo, na medida em que se constatasse uma disfunção do Eu, diagnosticar-se-ia a crise. Segundo Sonia Alberti (1999), um Eu forte seria capaz de barrar as exigências pulsionais desagradáveis e anti - sociais em ação na adolescência. A visão ideológica da adolescência como um momento atormentado e tempestuoso, muito embora tenha trilhado seu caminho na contramão da teoria freudiana, acabou gerando várias discursividades, passando, inclusive a ocupar o imaginário social e servindo para naturalizar e tamponar tanto questões relativas ao encontro do adolescente com o real, como as suas conseqüências para a lucidez crítica que pode surgir neste momento em relação às mazelas sociais e às contradições do capitalismo. Mais fácil seria encarar, a partir disto, o adolescente como um ser incapaz de lidar com as irrupções das profundezas da alma, do que tomá-lo por aquele que tem dificuldades de aceitar as falhas e contradições do mundo dos adultos e, portanto, do social.

A psicanálise, para Freud, sempre foi vista como um empreendimento subversivo; este chegou mesmo a nomeá-la de peste. Um Eu fortalecido era considerado por ele como o habitat do sintoma, o que equivaleria ao Eu do neurótico, em seu esforço de negar a castração simbólica; seria este mesmo Eu forte o responsável pela prevalência da fantasia no trato do neurótico para com a realidade. Em seu texto “A perda da realidade na neurose e na psicose” (1989b), ele defende que os prejuízos acarretados por um Eu inflado em demasia são a sua remodelação ficcional da realidade, o que se manifesta por sua tendência a antecipar uma angústia real por meio da fantasia. Qualquer terapêutica que tenha por meta reforçar o Eu, consoante a visão do criador da psicanálise, resultará numa produção de neurose. Se a crise da adolescência for tratada, como propõe a corrente anteriormente citada, por meio do fortalecimento do Eu, teríamos a troca da crise adolescente pela crise neurótica. A psicanálise tem no processo de cura a possibilidade de lidar com o furo real do qual o Eu não está livre, uma vez que ele sofre uma estratificação em sua constituição e, com ela, pode ser entendido como consciente e inconsciente. Por que então desconsiderar tal divisão no que diz respeito ao adolescente? Se toda análise pressupõe uma destituição subjetiva, a análise de um sujeito adolescente teria de ser orientada pelos mesmos pressupostos da terapêutica psicanalítica; ou seja, não se trataria de adormecer a crise do adolescente, mas de fazer com que o despertar proporcionado pelo seu possível aparecimento possa ser conduzido conforme os termos analíticos, de modo que o adolescente possa se localizar e realizar sua implicação quanto a ela - único meio de confrontá-lo, como sujeito, com o seu desejo.

Se a crise acontece quando existe a dificuldade de elaborar conflitos, então, toda a vida apresentaria momentos de crise. “Crise há porque a sexualidade, muito antes de fazer sentido, faz furo no real”, conforme afirma Alberti (1999, p. 100). Isto não seria, então, privilégio do adolescente, mas a maldição do sujeito falante, o que nos remete à questão do sexo como sendo traumático. O que há de traumático no encontro com o sexo que se dá na puberdade? É que se vislumbra, com muita lucidez, que o sexo é muito mais uma experiência de desencontro do que de síntese ou harmonia. Diferentemente da Psicologia do Eu, que considera o primado do genital - anunciado pela adolescência - como uma síntese, ou seja, como uma normalização da perversão polimorfa da infância, o que Freud vislumbra é que o primado do genital é a submissão da libido do sujeito ao significante do falo - signo da diferença sexual -, que conduziria a sexualidade adulta a uma desarmonia de base, na medida em que a submissão ao falo implica em, por um lado, colocar à margem o mundo das pulsões, e, por outro implica numa proibição que divide o campo do gozo. Não seria, deste modo, algo de difícil elaboração para qualquer sujeito e não admitiria muitas saídas, resultando não em uma crise generalizada e datada, mas numa posição particular do sujeito frente ao seu desejo. Se hoje é difícil não falar em adolescência, então o que em Freud poderia definir a puberdade - equivalente do que hoje os teóricos chamam de adolescência? Para Freud, a puberdade é acompanhada de transformações corporais e psíquicas, estando estas marcadas, sobretudo, pela reatualização dos complexos edípico e de castração, e que possuiriam um importante valor à civilização: “Contemporaneamente à subjugação e ao repúdio dessas fantasias claramente incestuosas consuma-se uma das realizações psíquicas mais significativas, porém também mais dolorosas, do período da puberdade: o desligamento da autoridade dos pais, unicamente através do qual se cria a oposição, tão importante para o progresso da cultura, entre a nova e velha gerações” (1989ª, p. 213).

O que ocorre com os sujeitos adolescentes do ponto de vista estrutural? O que ocorre do ponto de vista de seus laços sociais? São verificadas as transformações corporais; a queda da imagem ideal dos pais; a necessidade de fundar sua identificação em referenciais simbólicos; a elaboração do processo alienação e separação etc. Contudo, conforme nos lembra Alberti, “A partir do momento em que o sujeito, saído da infância, se depara com o real do sexo, a puberdade é o próprio encontro mal sucedido - traumático com este real. O real do sexo é por definição algo que jamais poderá ser simbolizado, deixando o sujeito - em linguagem do senso comum - sem palavras” (1999, p.26).



terça-feira, 22 de junho de 2010

CONFLITOS - PARTE I

Oi pessoal! Faz tempo que queria postar algumas partes da minha monografia aqui pois a ideia de ter blog surgiu exatamente pelo meu interesse em falar um pouco sobre psicologia e dos conflitos cotidianos conscientes e inconscientes!

Minha monografia foi baseada nos conflitos que enfrentamos, desde a hora que nascemos até a hora em que deixamos de ser adolescentes. oO

Espero poder ajudar a muitas pessoas! Sei que tenho amigos que precisam ler muito algumas coisas que estou colocando aqui e ficarei muito feliz se conseguir esclarecer algumas coisas a eles!













Se parece possível verificar o começo da adolescência, que identificamos com o inicio da puberdade, é mais difícil determinar quando este período acaba.


Diz-se que a adolescência acaba quando o jovem adquire uma vida afetiva e financeira independente dos pais. Entretanto, o que escutamos na clínica nos mostra que a independência afetiva dos pais às vezes não se produz nunca, e a financeira é também muito variável. Ou, por vezes, o sujeito tornou-se independente dos pais mas não de outras pessoas, com as quais reproduz a relação que tinha com eles. Poderíamos dizer que o sujeito só sai da adolescência após ter se separado por completo do Outro? Cairíamos na falácia de pensar que apenas a analise permitiria ao sujeito sair da adolescência e, com isso, faríamos coincidir o conceito de adolescência com o de neurose. Isto permitiria concluir que essa resposta é superficial, e que a clinica não a corrobora.

Todavia, o conceito de adolescência se impõe ao saber popular não só como um momento de transição entre a vida infantil e a vida adulta, mas como um momento de crise. Crise da adolescência, crise da puberdade, crise de identidade são termos usados comumente.

Ora, na psicanálise sabemos que crise é a palavra vulgar com que se define os períodos da aventura humana em que as respostas, sempre enganosas, dificilmente conseguidas, se demonstram falhas. Momentos de encontro com o Real traumático em que a vida do ser falante, na sua diacronia significante, mostra-se descontínua.

De todas as crises que o ser humano enfrenta é, certamente essa da adolescência a mais radical: todas as velhas respostas são percebidas como “furadas”.

A esperança infantil de que crescendo a relação sexual existiria se demonstra falsa. Para adiar o encontro com a não relação sexual, ou pelo menos ritualizá-la, os adolescentes brasileiros encontraram a formula do ficar, compara a essa outra invenção humana conhecida pelo nome de amor cortês. Agora são os próprios grupos de adolescentes que sancionam se as regras rígidas do ficar foram ou não respeitadas.

O corpo, eterna alteridade absoluta, mascarava seu caráter de estrangeiro com a enganosa mestria da identificação especular. Mas na adolescência o corpo se impõe como Outro, e o sujeito perde a mestria sobre ele. O sujeito se confronta com o estranhamento do encontro com o não-especularizável do estádio do espelho. Isto tem como correlato o sentimento de despersonalização, que deve ser diferenciado da despersonalização psicótica. Também neste ponto os adolescentes brasileiros se demonstram sábios, já que a pratica exaltada de esportes, danças e ginásticas minimiza as diferenças e o corpo lhes aparece como domesticável.

Os pais são percebidos na sua necessária pequenez em relação ao que tinham sido chamado e encarnar e ao que continuam encarnando no inconsciente: o Outro. A autoridade frente a qual até o momento se posicionavam é relativizada. Os ideais vacilam, e os adolescentes saem à procura de novos ideais.

Enfim, o sintoma, resposta com que se tinha satisfeito até o momento à pergunta: “O que o Outro quer de mim?”, vinha sendo: “sou criança”. É com este significante e neste mundo infantil que o sujeito, até então, se assegurava de seu lugar no outro.

Não surpreende que a adolescência seja um momento privilegiado para a eclosão da psicose. A suspensão das respostas opera como um chamado ao Nome-do-Pai e o sujeito, em cuja estrutura o Nome-do-Pai não está bem amarrado, corre o risco da separação dos registros Real, simbólico e Imaginário, e o da produção de um surto.

Sabemos que na adolescência se revive o complexo de Édipo. Mas para além do Édipo é um momento de relançamento, de suspensão da alienação significante. Uma época em que se repete o mito da escolha forçada do sujeito. Com maior ou menor consciência disso, segundo cada caso, o sujeito se vê chamado a renascer para se colocar em questão que, em surdina, sempre acompanha o ser falante: o supremo Bem é a vida ou é a morte? Concordo com Sonia Alberti quando ela coloca que a morte para os adolescentes é uma questão ética e não só o resultado da noção psicologizante da tendência de agir.

Em toda crise, quando se presentifica o nonsense da vida, essa questão aparece. Que face do desejo escolher? Aquela que nos leva a sua única satisfação possível na morte ou aquela eu nos faz desejar continuar a desejar?

A questão da morte sempre está explicita na adolescência. Mas agora a escolha já não é entre se alienar ao desejo do Outro ou escolher a morte como principio de inércia, tal como se poderia pensar que aconteceu quando do nascimento do sujeito. Trata-se, neste momento, de uma escolha entre se alienar ou se destruir, ou seja, entre alienação ou pulsão de morte propriamente dita. A tentação de se optar pela morte é muitas vezes intensa. Pode ser também acompanhada, como coloca Lacan no seminário da Ética, da fantasia de começar tudo de novo.

As fugas, as situações de risco, os acidentes de repetição, as experiências com drogas são outras formas de demonstrar essa vacilação entre morte e vida- são situações que, seja na vertente do acting out “ele pode me perder?”, para tentar se escrever como falta no Outro, seja na vertente passagem ao ato “não quero saber mais nada disso”, têm o valor de pôr em jogo a fantasia da própria morte.

A depressão e a tristeza sem causa aparente, definidas por Lacan como covardia moral, tão freqüentes na adolescência, mostram que o sujeito não quer saber o que deseja – frente ao dilaceramento da questão prefere nada saber. O sujeito abdica do desejo para não ter que decidir sobre questão tão crucial, e não pode mais responsabilizar o Outro pela resposta.

A saída da adolescência corresponderia a uma opção, uma escolha, ainda que transitória. O adolescente acaba, normalmente, por escolher novas alienações significantes. Infelizmente, não todos. Novos ideais, novas significações, novos sentidos para a vida. Novos sintomas. A adolescência acaba quando as perguntas se acalmam. O sujeito opta ou por se tornar o que se chama vulgarmente de pessoa de bem, levando em conta o que significa o Bem como barreira em relação à satisfação dos desejos, ou por ser um canalha, direcionando para fora seu desejo de destruição. Até a próxima crise, essas respostas funcionam.
Mas a adolescência fica para sempre na lembrança como o momento crucial de interrogações. Como demonstra Sonia Alberti em seu livro, quando um autor retoma a adolescência e a romantiza em um trabalho semelhante ao analítico. Na literatura, o adolescente resolve suas questões percebendo que todas as respostas são ficções, máscaras úteis para manter vivo o desejo.

Apesar disso, há um traço que é constante: a adolescência é sempre um momento da vida que encontra sua especificidade no fato de fechar um ciclo que vai da infância a vida adulta. Entre esses dois momentos, situa-se a adolescência. Nada de especifico caracteriza o momento enquanto tal. É uma verdadeira zona de passagem: um período que encontra sua razão de ser em sua resolução. É o ponto final da adolescência que dá sentido a esse lapso de tempo: seja porque o sujeito se prepara para a vida ativa, seja pelas modificações físicas que o tornam apto à procriação, e pela pressão de algumas figuras mais ou menos definidas, em função da época ou do contexto social onde ele evolui.

domingo, 6 de junho de 2010

PROJEÇÃO, A Criatura do abismo.


Usadas com o objetivo de mascarar defeitos que pertencem a elas mesmas, algumas pessoas recorrem às projeções para se protegerem.

Todos nós já sofremos injustiças e não estaremos livres delas. É o tipo de coisa que não podemos controlar, pois isso não depende de nós e sim, do outros. As injustiças mais comuns são aquelas onde o sujeito projeta a falha dele em nós.

As projeções são um mecanismo de autodefesa. Não, eu não virei pseudo-intelectual e não vou citar Nietzsche ou Schopenhauer. Todas as pessoas poderiam compreender isso perfeitamente se elas não tivessem dormido ou conversado durante as aulas de Psicologia no Ensino Médio. E embora essas projeções sejam muito comuns nas pessoas, não são todas que se dão conta de quando estão lidando com uma.

A projeção dos defeitos é a mais comum. Se você é uma pessoa pouco talentosa e que não confia em si mesma, é comum você projetar os seus defeitos em pessoas que são talentosas e autoconfiantes. Você pode tentar tirar o brilho da outra insinuando que ela é egoísta, invejosa, irresponsável, entre outros, mas na verdade quem é isso é você! O seu ego não permite que você admita que você poderia melhorar e que tem gente melhor do que você.

Outra projeção muito comum é a de criticar coisas que você gosta e faz escondido ou então adoraria fazer, mas morre de medo que os outros descubram que você faz ou gostaria. Por exemplo, imagine que você traia o seu cônjuge de vez em quando. Para ninguém desconfie disso, você defende severamente a fidelidade e faz críticas ferozes a uma pessoa cuja traição foi descoberta.

Projetar as frustrações e desejos não-realizados também é comum nos poucos pais que realmente se preocupam com o futuro dos seus filhos. Isso acontece quando eles querem viver a vida dos filhos, pois na idade deles, estavam impossibilitados de certas coisas. Em casos assim, eles podem sobrecarregar os filhos com atividades que agradam somente a eles e privar os filhos de certas experiências que eles não tiveram coragem de levar adiante.

O objetivo das pessoas em projetar os seus defeitos ou frustrações nos outros é o de esconder uma verdade sobre si mesmo. De tanto você criticar esse seu defeito e projetá-lo nos outros, você acaba esperando que as pessoas não desconfiem que esse defeito ou frustração é, na verdade, seu. Por causa disto, as projeções são consideradas um “mecanismo de autodefesa”.

Quando uma pessoa projeta um defeito dela e você e isso não te prejudica, isso não é tão mal. É claro que não é muito agradável ser acusado de algo que quem está falando é, mas nesses casos é melhor deixar a pessoa extravasar a sua “superioridade”. O problema é quando essa projeção prejudica você. Nesses casos, é importante que você faça algo que pode ser resolvido em uma conversa aberta e adulta ou afastando-se definitivamente.