quarta-feira, 23 de junho de 2010

CONFLITOS - PARTE II


Capítulo I: Crise na adolescência.













Compreendendo a adolescência num ponto de vista psicanalítico, Freud discutiu, nos “Três ensaios sobre a teoria da sexualidade” (1989a), mais precisamente em seu terceiro ensaio - “As transformações da puberdade”, a respeito da puberdade e deu a este termo, ao lado de suas outras concepções, uma significação psíquica. A necessidade de retomar a palavra de Freud sobre este assunto é oportuna na medida em que a psicanálise tem sido, reiteradamente, vitimada por toda uma sorte de desvios, os quais se devem tanto a um ecletismo cego, quanto a um desconhecimento e uma normalização da radicalidade da letra freudiana (JORGE, 1988).

Inicialmente, não o conceito de adolescência não existia, trata-se de uma invenção discursiva datada de meados do século XVIII e consolidada em seu emprego no século XIX. É uma forma de nomeação que tem origem no discurso pedagógico, tributário de uma ortopedia moral e vinculada a práticas de vigilância e da ordenação entre idade e nível escolar requeridos (ARIÈS, 1981; FOUCAULT, 2000).

Não é estranho ver a puberdade, sob olhar freudiano, na medida em que os psicanalistas responsáveis por tais formulações acabaram por fazer equivaler a adolescência a um período de crise na vida do indivíduo, desconsiderando, desta forma, a noção de sujeito do inconsciente e privilegiando um trabalho terapêutico que teria por finalidade apaziguar a crise por intermédio do fortalecimento do Eu do adolescente. Assim sendo, na medida em que se constatasse uma disfunção do Eu, diagnosticar-se-ia a crise. Segundo Sonia Alberti (1999), um Eu forte seria capaz de barrar as exigências pulsionais desagradáveis e anti - sociais em ação na adolescência. A visão ideológica da adolescência como um momento atormentado e tempestuoso, muito embora tenha trilhado seu caminho na contramão da teoria freudiana, acabou gerando várias discursividades, passando, inclusive a ocupar o imaginário social e servindo para naturalizar e tamponar tanto questões relativas ao encontro do adolescente com o real, como as suas conseqüências para a lucidez crítica que pode surgir neste momento em relação às mazelas sociais e às contradições do capitalismo. Mais fácil seria encarar, a partir disto, o adolescente como um ser incapaz de lidar com as irrupções das profundezas da alma, do que tomá-lo por aquele que tem dificuldades de aceitar as falhas e contradições do mundo dos adultos e, portanto, do social.

A psicanálise, para Freud, sempre foi vista como um empreendimento subversivo; este chegou mesmo a nomeá-la de peste. Um Eu fortalecido era considerado por ele como o habitat do sintoma, o que equivaleria ao Eu do neurótico, em seu esforço de negar a castração simbólica; seria este mesmo Eu forte o responsável pela prevalência da fantasia no trato do neurótico para com a realidade. Em seu texto “A perda da realidade na neurose e na psicose” (1989b), ele defende que os prejuízos acarretados por um Eu inflado em demasia são a sua remodelação ficcional da realidade, o que se manifesta por sua tendência a antecipar uma angústia real por meio da fantasia. Qualquer terapêutica que tenha por meta reforçar o Eu, consoante a visão do criador da psicanálise, resultará numa produção de neurose. Se a crise da adolescência for tratada, como propõe a corrente anteriormente citada, por meio do fortalecimento do Eu, teríamos a troca da crise adolescente pela crise neurótica. A psicanálise tem no processo de cura a possibilidade de lidar com o furo real do qual o Eu não está livre, uma vez que ele sofre uma estratificação em sua constituição e, com ela, pode ser entendido como consciente e inconsciente. Por que então desconsiderar tal divisão no que diz respeito ao adolescente? Se toda análise pressupõe uma destituição subjetiva, a análise de um sujeito adolescente teria de ser orientada pelos mesmos pressupostos da terapêutica psicanalítica; ou seja, não se trataria de adormecer a crise do adolescente, mas de fazer com que o despertar proporcionado pelo seu possível aparecimento possa ser conduzido conforme os termos analíticos, de modo que o adolescente possa se localizar e realizar sua implicação quanto a ela - único meio de confrontá-lo, como sujeito, com o seu desejo.

Se a crise acontece quando existe a dificuldade de elaborar conflitos, então, toda a vida apresentaria momentos de crise. “Crise há porque a sexualidade, muito antes de fazer sentido, faz furo no real”, conforme afirma Alberti (1999, p. 100). Isto não seria, então, privilégio do adolescente, mas a maldição do sujeito falante, o que nos remete à questão do sexo como sendo traumático. O que há de traumático no encontro com o sexo que se dá na puberdade? É que se vislumbra, com muita lucidez, que o sexo é muito mais uma experiência de desencontro do que de síntese ou harmonia. Diferentemente da Psicologia do Eu, que considera o primado do genital - anunciado pela adolescência - como uma síntese, ou seja, como uma normalização da perversão polimorfa da infância, o que Freud vislumbra é que o primado do genital é a submissão da libido do sujeito ao significante do falo - signo da diferença sexual -, que conduziria a sexualidade adulta a uma desarmonia de base, na medida em que a submissão ao falo implica em, por um lado, colocar à margem o mundo das pulsões, e, por outro implica numa proibição que divide o campo do gozo. Não seria, deste modo, algo de difícil elaboração para qualquer sujeito e não admitiria muitas saídas, resultando não em uma crise generalizada e datada, mas numa posição particular do sujeito frente ao seu desejo. Se hoje é difícil não falar em adolescência, então o que em Freud poderia definir a puberdade - equivalente do que hoje os teóricos chamam de adolescência? Para Freud, a puberdade é acompanhada de transformações corporais e psíquicas, estando estas marcadas, sobretudo, pela reatualização dos complexos edípico e de castração, e que possuiriam um importante valor à civilização: “Contemporaneamente à subjugação e ao repúdio dessas fantasias claramente incestuosas consuma-se uma das realizações psíquicas mais significativas, porém também mais dolorosas, do período da puberdade: o desligamento da autoridade dos pais, unicamente através do qual se cria a oposição, tão importante para o progresso da cultura, entre a nova e velha gerações” (1989ª, p. 213).

O que ocorre com os sujeitos adolescentes do ponto de vista estrutural? O que ocorre do ponto de vista de seus laços sociais? São verificadas as transformações corporais; a queda da imagem ideal dos pais; a necessidade de fundar sua identificação em referenciais simbólicos; a elaboração do processo alienação e separação etc. Contudo, conforme nos lembra Alberti, “A partir do momento em que o sujeito, saído da infância, se depara com o real do sexo, a puberdade é o próprio encontro mal sucedido - traumático com este real. O real do sexo é por definição algo que jamais poderá ser simbolizado, deixando o sujeito - em linguagem do senso comum - sem palavras” (1999, p.26).



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